segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Jabuticabas

Mexendo em muitos papéis, procurando uma agulha no palheiro em casa, acabei me deparando com o texto abaixo. Não sei quem o escreveu. Não vem em questão a idade de quem o escreveu ou o motivo e a circunstância em que o ensaio foi escrito. Pode parecer uma postagem “off topic” deste espaço, mas não é.

É um chacoalho para aqueles que têm sensibilidade sobre o que é importante para si e o que é válido para correr a favor do tempo. É um alarme para saber sobre o prazer de desfrutar e saborear a vida, sem ter que deixar a última jabuticaba por muito tempo, sozinha, no fundo da bacia. É uma mensagem sobre a necessidade de se simplificar a vida. SIMPLES!

“ E o tempo não pára ...”



Sobre o tempo e jabuticabas

Contei os meus anos e descobri que terei menos tempo para viver daqui para frente do que já vivi até agora. Sinto-me como aquele menino que ganhou uma bacia de jabuticabas. As primeiras, ele chupou displicente, mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço.

Já não tenho tempo para lidar com mediocridades. Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados. Não tolero gabolices. Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sorte.

Já não tenho tempo para projetos megalomaníacos. Não participarei de conferências que estabelecem prazos fixos para reverter a miséria do mundo. Não vou mais a workshops onde se ensina como converter milhões usando uma fórmula de poucos pontos. Não quero que me convidem para eventos de um fim-de-semana com a proposta de abalar o milênio.

Já não tenho tempo para reuniões intermináveis para discutir estatutos, normas, procedimentos e regimentos internos. Não gosto de assembléias ordinárias em que as organizações procuram se proteger e perpetuar através de infindáveis detalhes organizacionais.

Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas que, apesar da idade cronológica, são imaturos. Não quero ver os ponteiros do relógio avançando em reuniões de “confrontação”, onde “tiramos fatos à limpo”. Detesto fazer acareação de desafetos eu brigaram pelo majestoso cargo de secretário do coral (ou síndico).

Já não tenho tempo para debater vírgulas, detalhes gramaticais sutis ou sobre as diferentes traduções da Bíblia. Não quero ficar explicando porque gosto da Nova Versão Internacional das Escrituras, só porque há um grupo que a considera herética. Minha resposta será curta e delicada:

- “Gosto, ponto final!” Lembrei-me agora de Mário de Andrade que afirmou: “As pessoas não debatem conteúdos, apenas os rótulos”. Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos.

Já não tenho tempo para ficar explicando aos medianos se estou ou não perdendo a fé porque admiro a poesia de Chico Buarque e do Vinícius de Moraes; a voz da Maria Bethânia; os livros de Machado de Assis, Thomas Martin, Ernest Hemingway e José Lins do Rego.

Sem muitas jabuticabas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana; que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita para a “última hora”; não foge da sua mortalidade, defende a dignidade dos marginalizados e deseja andar humildemente. Caminhar perto delas nunca será perda de tempo.


Créditos da imagem: Wikipedia.

Um comentário:

Ayla Al Nar disse...

adorei! em vez de complicar, simplificar. Viver. E ponto.