domingo, 5 de outubro de 2008

Ciúme

O texto abaixo trata de forma ‘interessante’ - por assim dizer - o ciúme, aquele trocinho que faz parte da vida amorosa de todos nós, em maior ou menor grau.

Olha que intrigante a afirmação dele no último parágrafo do texto...

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Ciúme
(CONTARDO CALLIGARIS )

Pesquisa oferece duas sugestões para que uma relação não seja envenenada pelo ciúme.

A CADA semana, ouço a queixa de alguém que encontra, no celular de seu parceiro ou parceira, a "prova" de uma traição: o ciúme vinga com a tecnologia, mas entendê-lo continua difícil. Para os darwinistas, a evolução favoreceu os ciumentos: sobrevive a linhagem dos que evitam sustentar rebentos ilegítimos, poupando assim seus recursos. Problema: o argumento evolucionista vale só para o ciúme masculino (mesmo no pleistoceno, os homens que pulavam a cerca não voltavam grávidos para casa), e, restaria explicar, o ciúme feminino.

Várias pesquisas mostram que todos, homens e mulheres, são mais sensíveis à infidelidade emocional (que não engravida ninguém) do que à infidelidade sexual. Os cognitivistas, em geral, entendem o ciúme como uma reação contra algo que ameaça a relação e fere o amor-próprio do "traído".

Faz sentido, mas o ciúme (sobretudo patológico) nem sempre é reativo: às vezes, o ciumento inventa situações para alimentar seu ciúme. Os terapeutas psicodinâmicos notam que o ciumento é mais preocupado consigo e com seus rivais do que com o objeto de seu amor.

Eles reconhecem, grosso modo, dois tipos de ciúme, que ambos seriam restos neuróticos da infância:

1) Há o ciúme possessivo de quem não deixa a primeira infância, continua querendo ser um único corpo, junto com a mãe, e só enxerga ameaças - no pai, nos irmãos etc. Nesse estilo, uma tia minha passou a vida recluída pelo marido: não saía de casa, nenhum médico podia examiná-la. Por essa razão, eu não a conheci, mas minha avó dizia que o homem era louco e que ela era louca também, por aceitar.

2) Há o ciúme inseguro de quem nunca se sente "tranqüilamente" amável e está sempre revivendo as emoções da pré-puberdade, quando descobrimos que a mãe tem interesses diferentes da gente (experiência dolorosa, mas também prazerosa, pois, traindo-nos, ela nos liberta para desejarmos outras coisas).

Então? Pois é, acabo de ler uma pesquisa, de Visser e McDonald, no "British Journal of Social Psychology" (vol. 46, nº 2, junho 2007): "Swings and Roundabouts: Management of Jealousy in Heterosexual Swinging Couples" (suingue e carrosséis: administração do ciúme em casais heterossexuais que praticam o suingue). Questão dos pesquisadores: há casais que praticam regularmente o suingue, a troca sexual de parceiros; como eles administram o ciúme? Resultado previsível: os casais que praticam suingue transformam seu ciúme em excitação sexual. Essa transformação é mais fácil para o homem; na mulher, a visão do parceiro nos braços de outra produz facilmente insegurança. Seja como for, a transformação do ciúme em excitação sexual é possível à condição que seja garantida a confiança absoluta de ambos na coesão do casal. Garantida como?

1) A primazia do envolvimento afetivo sobre o sexual é permitida pela sinceridade. O parceiro é sempre o primeiro a saber: essa prioridade garante a superioridade do laço afetivo do casal sobre o laço sexual com outros. De fato, na infidelidade, o que mais causa aflição é que, por exemplo, o amante sabe do marido, e o marido não sabe do amante (diga para um amante que sua performance é comentada na mesa do casal, e ele, provavelmente, sumirá para sempre).

2) O próprio suingue, como fantasia constantemente elaborada pelos dois, consolida o laço do casal, torna-o muito mais importante do que os parceiros ocasionais de cada um.

Será que, dessas constatações, há como deduzir uma receita contra o ciúme ordinário?Parece que sim: à condição de não precisar repetir os restos da infância mencionados antes, deve ser possível construir uma relação em que o ciúme seja tolerável. Para isso, segundo a pesquisa, é bom:

1) que as "infidelidades" (todas, não só as sexuais) sejam prenunciadas, ou seja, que elas existam primeiro na conversa do casal;

2) que os membros do casal compartilhem uma aventura, um sonho (voar de asa delta, aprender sânscrito ou praticar suingue, tanto faz).

Mais duas observações. A maior traição é a traição do próprio desejo da gente; portanto, pedir ao outro para não nos trair é menos importante do que lhe pedir para não trair a si mesmo. Até porque um parceiro ou uma parceira que traísse seu próprio desejo para ficar com a gente acabaria, a médio prazo, odiando-nos por ter-se traído. Enfim, uma infidelidade não é razão para acabar com uma relação. No máximo, é razão para perguntar-se se a relação vale a pena.

2 comentários:

Ayla Al Nar disse...

as duas últimas frases do último parágrafo me parecem afirmações extremamente masculinas... algo como justificação da traição.

Ana disse...

"Mais duas observações. A maior traição é a traição do próprio desejo da gente; portanto, pedir ao outro para não nos trair é menos importante do que lhe pedir para não trair a si mesmo. Até porque um parceiro ou uma parceira que traísse seu próprio desejo para ficar com a gente acabaria, a médio prazo, odiando-nos por ter-se traído. Enfim, uma infidelidade não é razão para acabar com uma relação. No máximo, é razão para perguntar-se se a relação vale a pena."

O texto postado pela Tequila Gold, acredito eu, tem a ver com a fidelidade ao próprio sentimento. Chegando mais a frente à babaquice (em extremos) do ciúme.

O texto foi escrito sim, por uma ótica masculina. Mas vamos e convenhamos, a exietência do ciúme em um relacionamento tem a ver com a auto-confiança, confiança alheia, amor (próprio e ao outro - em pleno sentido autruísta) e em termos culturais (a gente não vive em sociedade poligâmica). O que quero dizer é que é válida a observação sobre a traição dos próprios valores. Em outras palavras: se uma pessoa trái sem pensar nos seus valores próprios (i.e. se ela trái, mesmo não concordando que seu parceiro faça o mesmo), esta é uma pessoa repugnante, com pensamento mais insignificante que de uma ameba. Se for trair, que não seja traição - que seja algo de comum acordo. Traição é pesado. É trapaça. Se um cara (ou mulher) for "pular a cerca", que pelo menos tenha a digindade de não ter um relacionamento "sério" - ou seja, que descarte a monogamia, como já se auto-explica o próprio termo. Ou vá para o Afeganistão e morra com uma bomba no meio das bolas (para eles).